Especial Mulheres na Ciência: Brasileira pesquisa medicamentos para tratamento da depressão

maio 10 • Notícias • 1558 Views • Comentários desativados em Especial Mulheres na Ciência: Brasileira pesquisa medicamentos para tratamento da depressão

Cerca de 400 milhões de pessoas sofrem de depressão em todo o mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). “Os transtornos de ansiedade e depressão são doenças graves e incapacitantes que atingem o funcionamento do cérebro e prejudicam muito a vida diária das pessoas. Isso porque, diferentemente de uma gripe, por exemplo, que nos deixa em repouso por três, quatro dias, essas doenças são crônicas e podem afastar por muito tempo as pessoas do trabalho e do convívio com os familiares e amigos”, explica Alline Campos, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto. A cientista pesquisa uma forma de produzir medicamentos mais efetivos e que produzam menos efeitos adversos para tratar pacientes que sofrem de ansiedade e depressão.

Por causa do estudo que vem realizando, Alline recebeu o Prêmio Para Mulheres na Ciência, único programa brasileiro dedicado a mulheres cientistas, que é realizado pela L’Oréal em parceria com a UNESCO e a Academia Brasileira de Ciências. Graduada na área de farmacologia, Alline é mestre e doutora em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo. A pesquisadora atua na área de neuropsicofarmacologia, principalmente em temas envolvendo a participação de mecanismos plásticos do sistema nervoso central.

Em entrevista, Alline conta sobre o início da carreira, o amor à ciência e detalha o trabalho que vem realizando em relação aos transtornos de ansiedade e depressão. Confira!

Como surgiu seu interesse pela ciência?

Quando somos crianças, quase todos os estímulos são novidades que nos deixam curiosos sobre tudo. Crianças querem experimentar, testar e perguntar o porquê das coisas. Creio que seja uma tentativa de entender a natureza das coisas, talvez o mundo em que estão inseridas. Por isso, acho que todos nós temos um interesse científico já na infância. Eu me lembro que me fascinavam os desenhos animados que tinham como pano de fundo os laboratórios de pesquisa. O formato das vidrarias, os líquidos coloridos e perigosos me atraíam muito, entretanto, acho que a decisão de seguir na área científica veio na escola.

Sempre participei de feiras de ciências, mas acho que o insight veio enquanto eu ainda cursava a 8ª série do ensino fundamental. Havia uma disciplina chamada química aplicada e nela nós fazíamos pequenas reações químicas, olhávamos algumas folhas e outros materiais ao microscópio. Eu achava tudo muito atrativo, divertido e curioso. A partir daí, comecei a me inclinar para a área da saúde, ter em mente o curso de farmácia e bioquímica e a carreira científica. Ao ingressar na faculdade de farmácia e bioquímica na Universidade Federal de Juiz de Fora, onde me formei, busquei desde o início estágios e tudo o que de alguma forma alimentasse minha curiosidade. No quarto período, acabei encontrando a farmacologia.

Por que o estudo da ansiedade e depressão? Quais são suas expectativas em relação ao seu trabalho?

Dentro das atividades de monitoria no período da minha graduação, ministrei aulas práticas e teóricas de farmacologia. Em uma dessas aulas tive a oportunidade de falar sobre os medicamentos utilizados para tratar os transtornos de ansiedade. Obviamente, já havia estudado o tema durante minhas aulas de farmacologia, entretanto, foi preparando o material para ministrar a aula que mergulhei com mais profundidade no fascinante mundo da psicofarmacologia e dos transtornos neuropsiquiátricos, como a depressão. A partir daí, passei a buscar incessantemente minha formação e aperfeiçoamento na área da neuropsicofarmacologia, sempre focada no entendimento e na busca de novas opções terapêuticas para o tratamento da ansiedade e da depressão.

Como eu fui contratada recentemente como docente no Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, nossos resultados são muito preliminares. Os transtornos de ansiedade e depressão são doenças graves e incapacitantes que atingem o funcionamento do cérebro e prejudicam muito a vida diária das pessoas. Isso porque, diferentemente de uma gripe, por exemplo, que nos deixa em repouso por três, quatro dias, essas doenças são crônicas e podem afastar por muito tempo as pessoas do trabalho e do convívio com os familiares e amigos. Hoje, os antidepressivos disponíveis na prática clínica, como a fluoxetina, podem levar de 4 a 8 semanas para o início de alívio dos sintomas.

O que buscamos agora é saber se os efeitos dos antidepressivos podem ser acelerados quando os administramos simultaneamente com doses baixas do fármaco facilitador dos efeitos dos endocanabinóides e do canabidiol. Além disso, vamos tentar determinar os efeitos dessa combinação em alguns eventos plásticos do sistema nervoso central, tais como a formação de novos contatos sinápticos e a produção de novos neurônios, eventos que estariam alterados em pacientes com transtornos de ansiedade e depressão. Se a nossa hipótese estiver correta, no futuro poderemos associar os canabinóides com menores quantidades de antidepressivos, o que melhoraria não somente os efeitos adversos, mas também o tempo para que os pacientes fiquem livres de seus sintomas e possam voltar mais rápido para suas atividades cotidianas, como a interação com a família e o trabalho.

Como foi ser premiada pelo seu trabalho?

Ganhar o Prêmio para Mulheres na Ciência foi uma grande surpresa. Quem vive a ciência brasileira sabe das dificuldades que enfrentamos todos os dias. Trata-se da responsabilidade de lidar com sonhos e planejamentos, pessoais e dos alunos, em um contexto onde quase tudo fica para o futuro e no qual somos vistos como meros números. Assistimos à mercantilização da ciência para atender expectativas das metas impostas. Mesmo assim, eu aceito as boas-vindas, porque eu estou disposta a viver do que a ciência nos oferece: o conhecimento. Não seria essa a riqueza verdadeira? Você pode perder um carro, uma casa, qualquer bem material, mas o conhecimento que adquiriu, não. Ele dura, ele pode modificar a vida ao nosso redor, ele nos traz perspectiva de que algo melhor sempre pode acontecer.

Sofreu dificuldades ao longo da carreira por ser mulher? Concorda que o acesso e a permanência da mulher na ciência são difíceis?

Dificuldades por ser mulher, às vezes. Também encontrei outros obstáculos. Por ter origem muito humilde, nada diferente da maioria dos brasileiros, por vezes via meus objetivos e sonhos, profissionais e pessoais, sendo bloqueados por palavras como “improvável” e “não”. Foi a resistência que me trouxe até aqui. Resistência, porém, é também algo que um pesquisador encontrará no início da carreira. O sistema científico vigente em nosso país é, por vezes, segregador. Nas etapas iniciais de nossas carreiras, nas quais precisaríamos de muito incentivo, é difícil conseguir financiamento, espaço físico e suporte para iniciarmos nossos projetos. Ainda assim, sem um cenário ideal, somos cobrados sobre os resultados desses projetos. Parece contraditório, mas é assim que acontece. Hoje, somos medidos pelos números: a soma maior vence.

Assédio e preconceito são fatos na área científica e em qualquer outra. Não vou dizer que é fácil ser uma mulher no meio científico. Estamos em um número reduzido e, infelizmente, há pessoas que se escondem atrás de hierarquias ou tradicionalismos arcaicos para promover intimidação e submissão. Há quem acredite que gravidez é algo que separa qualquer mulher de uma carreira bem-sucedida. Eu já escutei até que há explicação científica para isso: “alterações hormonais provocadas pela gravidez pioram a cognição”. Marie Curie teve duas filhas e foi laureada com dois prêmios Nobel. Uma de suas filhas, mãe de dois filhos, também foi agraciada com o prêmio Nobel. A boa notícia é que pessoas que pensam assim são minoria. De qualquer forma, a minha postura é a de não aceitar e lutar para que isso mude. Aprendi que algumas coisas perdem a força quando se persiste, quando cultivamos nossa consistência em alcançar um objetivo. Isso é ter resistência. Não é simples resistir, mas é possível.

A permanência das mulheres na ciência só é difícil porque existe a cultura de gênero. A maioria dos alunos de pós-graduação brasileiros é composta por mulheres. Estranhamente, a situação se inverte quando as estatísticas chegam às posições de professor, pesquisador ou lideranças nas universidades. O Brasil teve e tem cientistas incríveis. Cientistas, mães de família, mulheres. O que falta é igualar as oportunidades.

Que tipo de ação o governo, as empresas e a sociedade civil podem realizar para promover um maior acesso da mulher à ciência?

Iniciativas como a parceria da L’Oréal, UNESCO e Academia Brasileira de Ciências e programas específicos para as mulheres vindos das agências de fomento são muito bem-vindos. Entretanto, sem falar especificamente de gênero, é urgente o reconhecimento do profissional que é base da ciência em nosso país: o pesquisador. É incoerente que não exista o reconhecimento da profissão científica no Brasil, sem que essa esteja atrelada, em 90% das vezes, à profissão de professor universitário. São milhares de pós-doutores que sofrem no limbo entre a pós-graduação e o acesso à carreira universitária, uma vez que poucos são os absorvidos pela iniciativa privada. Deixamos que essas mentes, que tentam impulsionar e divulgar o conhecimento e a tecnologia de nosso país, trabalhem durante toda a pós-graduação e pós-doutoramento, o que dura em média de 8 a 10 anos, sem o suporte das leis trabalhistas.

Como isso poderia afetar as vidas das mulheres cientistas?

Não é novidade que nós mulheres sofremos pressões sociais e familiares para constituir família e ter filhos quando alcançamos determinada idade. A profissão de professor universitário começa geralmente após os 30 anos. Há alguns anos, conseguimos finalmente a implementação do benefício da licença maternidade para bolsistas de pós-graduação. Entretanto, eu conheço algumas mulheres que abandonaram a ciência por acreditarem que a vontade de serem mães e o desejo de um emprego real eram incompatíveis com a realidade da ciência brasileira. Mas veja essa contradição: se elas trabalham 10, 12 horas por dia em um laboratório, incluindo os finais de semana, e não têm um trabalho, o que seria um emprego real? Na verdade, o emprego científico não é ruim, mas nos falta segurança. Se a profissão científica fosse legalizada, várias e vários permaneceriam na ciência. Assim, todos ganharíamos, a ciência, a sociedade e o Brasil.

Veja o vídeo do Prêmio Para Mulheres na Ciência e conheça mais sobre o trabalho de Alline Campos clicando aqui.

Comunicação Social da DRI/Ibict

Foto: Divulgação do Prêmio

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