Especial Mulheres na Ciência: A ciência contra a Leishmaniose

maio 19 • Notícias • 2933 Views • Comentários desativados em Especial Mulheres na Ciência: A ciência contra a Leishmaniose

A vontade de colaborar para um mundo melhor e o amor pela ciência fizeram com que Carolina Horta se transformasse, com apenas 32 anos, em uma das cientistas mais renomadas e respeitadas nacionalmente. Vencedora do Prêmio Para Mulheres na Ciência, o único programa brasileiro dedicado a mulheres cientistas, que é realizado pela L’Oréal em parceria com a UNESCO e a Academia Brasileira de Ciências, Carolina pesquisa o tratamento da leishmaniose, uma doença negligenciada que afeta aproximadamente 12 milhões de pessoas em todo o mundo. A pesquisadora também foi uma das vencedoras do International Rising Talents, premiação internacional que ajuda a impulsionar a carreira de cientistas promissoras internacionalmente.

“A leishmaniose é doença que, infelizmente, conta com um tratamento muito precário. Os medicamentos existentes foram desenvolvidos há mais de 50 anos, então são medicamentos antigos, que causam muitos efeitos colaterais. Os pacientes não se sentem bem ao tomarem esses tipos de medicamentos, que, além disso, não são 100% eficazes. Em muitos casos, a doença leva à morte porque o tratamento não é eficaz”, explica Carolina.

Graduada em Farmácia pela Universidade Federal de Goiás (2004), doutora em Fármacos e Medicamentos pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo, desde 2010 Carolina é professora adjunta da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Goiás. Atualmente, é líder do Grupo de Pesquisa Laboratório de Planejamento de Fármacos e Modelagem Molecular (LabMol), orientadora de estudantes da graduação ao doutorado, além de autora de artigos e publicações importantes no meio acadêmico internacional.

Em entrevista, Carolina conta que a ciência faz parte da sua trajetória desde a infância, período que, aliás, também marcou a vida de outras cientistas. Confira a seguir a entrevista com Carolina Horta:

O Fantástico Mundo de Beakman: Inspiração para Carolina Horta quando era criança

O Fantástico Mundo de Beakman: Inspiração para Carolina Horta quando criança

Como a ciência apareceu em sua trajetória?

Meu interesse pela ciência surgiu desde que eu era criança. Eu sempre me interessei por fenômenos naturais, químicos e biológicos. Na infância, eu gostava de assistir programas de televisão relacionados à ciência, como O Fantástico Mundo de Beakman. E, ainda, quando criança, eu participei na escola de várias feiras de ciência. Isso foi uma oportunidade muito interessante, que me marcou muito. Tenho a lembrança de nos sentirmos como cientistas mirins, fazendo pesquisas e desenvolvendo projetos para apresentar nas feiras de ciência. Mais tarde, quando eu estava na graduação em farmácia, tive a oportunidade de fazer a iniciação científica e aí sim eu percebi que gostaria de seguir essa carreira acadêmica. Nessa época, eu me apaixonei pela minha área de pesquisa atual, que é a química medicinal.

Por que o estudo da leishmaniose? Como é que surgiu esse tema?

A leishmaniose é considerada uma doença negligenciada porque não há interesse por parte das indústrias farmacêuticas em pesquisar e desenvolver novos tratamentos para um tipo de doença que afeta principalmente populações pobres – marginalizadas em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Isso porque não haverá um retorno financeiro esperado – ou que a indústria farmacêutica considera adequado. Durante o meu doutorado, a minha orientadora na Universidade de São Paulo já trabalhava com doenças negligenciadas. Quando eu iniciei a minha carreira científica e independente na Universidade Federal de Goiás, decidi por continuar essa linha de pesquisa da minha orientadora e estudar novos tratamentos e opções.

A leishmaniose é uma doença endêmica no Brasil e que afeta aproximadamente 12 milhões de pessoas em todo o mundo, atingindo mais de 90 países. É uma doença que, infelizmente, conta com um tratamento muito precário. Os medicamentos existentes foram desenvolvidos há mais de 50 anos, então são medicamentos antigos, que causam muitos efeitos colaterais. Os pacientes não se sentem bem ao tomarem esse tipo de medicamento, e, além disso, ele não é 100% eficaz. Em muitos casos, a doença leva à morte porque o tratamento não é eficaz. É realmente muito urgente o desenvolvimento e a descoberta de novos medicamentos para o tratamento da leishmaniose.

Qual a importância de a ciência cuidar desses principais problemas mundiais, especialmente as doenças negligenciadas?

Eu, como uma cientista que trabalha em uma universidade pública no Brasil, que é um país que possui várias dessas doenças chamadas negligenciadas, e, inclusive, com esses surtos de dengue, zica e chikungunya, me sinto completamente engajada com o papel social de desenvolver novas alternativas ou tratamentos para essas doenças que não atraem interesse. Então, nós, estando no Brasil, principalmente em universidades públicas, temos um papel social de tentar desenvolver tratamentos que possam beneficiar milhares de pessoas, entre elas as brasileiras. Basicamente, esse é um dos meus principais estímulos pra pesquisar medicamentos pra esse tipo de doença. Eu poderia, por exemplo, estar buscando medicamentos para Alzheimer, câncer ou doenças cardiovasculares, mas esse tipo de doença tem interesse mundial. Agora, para doenças que acometem países tropicais, subtropicais ou em desenvolvimento, o interesse é muito menor, por exemplo, por parte de indústrias farmacêuticas, localizadas em grandes centros na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil, nós temos conseguido caminhar um pouco nessa parte da ciência.

Carolina HortaComo é que você se sente tendo recebido o prêmio, tanto no aspecto de valorização profissional quanto de continuar o trabalho?

Esse prêmio foi um divisor de águas na minha vida científica. Ver o meu trabalho e de todos os estudantes e pesquisadores com quem atuo ser reconhecido internacionalmente, deixou-nos honrados e felizes, ainda mais por ser um trabalho desenvolvido no Centro-Oeste do país, então, fora do eixo Rio-São Paulo. Isso tem proporcionado um grande estímulo para não desistirmos, porque fazer ciência no Brasil ou em qualquer lugar do mundo não fácil. É um trabalho árduo, a gente trabalha bastante, fora de horários comerciais, à noite, fim de semana, feriados… é uma vida de doação. O pesquisador e o cientista têm essa questão da paixão com a ciência. Muitas vezes, eu deixo de ficar com a minha família para trabalhar e fazer pesquisa. O recebimento desse prêmio é um estímulo para não desistir. Um estímulo não apenas financeiro, mas também pessoal e profissional para continuarmos nessa busca para o desenvolvimento de novos medicamentos para uma doença tão negligenciada e tão importante como é a leishmaniose.

Você sofreu dificuldades ao longo da sua carreira por ser mulher?

Até o momento, eu nunca enfrentei dificuldades por ser mulher. É preciso destacar que mulheres são igualmente e completamente capazes do que os homens em desenvolver qualquer tarefa que elas queiram. Mas, infelizmente, muitas vezes a sociedade não vê isso dessa maneira, tanto é que nós observamos que há poucas mulheres no topo ocupando os cargos mais altos, seja na carreira científica ou em cargos públicos e privados não só no Brasil, mas no mundo todo. As mulheres podem ocupar todos os cargos de liderança que elas quiserem, mas é preciso oportunidades para que isso aconteça.

Nesse sentido, quais tipos de iniciativas poderiam ser realizadas para incentivar mais a presença da mulher na ciência?

Por exemplo, iniciativas como essa da L’Oréal e da UNESCO estimulam bastante as mulheres a seguirem a carreira acadêmica, a buscarem esse tipo de reconhecimento profissional. Em minha opinião, outras iniciativas como essa deveriam existir para que as mulheres sintam-se estimuladas a não desistir da carreira acadêmica. Além disso, estímulos do governo para as mulheres não deixarem a carreira cientifica seriam importantes. Um ganho muito grande que tivemos recentemente foi o benefício da licença maternidade que foi concedido pelo CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] para as mulheres que são bolsistas de produtividade científica. Temos que estar alinhadas com o governo e a iniciativa privada para que haja não só estímulos financeiros, mas para que haja também a participação das mulheres na ciência.

Veja o vídeo do Prêmio Para Mulheres na Ciência e conheça mais sobre o trabalho de Carolina Horta clicando aqui.

Texto: Comunicação Social da DRI/Ibict

Fotos Carolina Horta: Divulgação “Para Mulheres na Ciência”

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