Especial Mulheres na Ciência: O amor às borboletas que chegou ao Espaço

abr 4 • Notícias • 1734 Views • Comentários desativados em Especial Mulheres na Ciência: O amor às borboletas que chegou ao Espaço

Duilia de Mello tinha apenas 11 anos quando decidiu descobrir a fundo como nasciam as borboletas. Após uma tentativa frustrada de transformar uma lagarta em borboleta, descobriu que havia faltado água em seu experimento quando pediu a ajuda de um professor. Ele, ao invés de desmotivá-la, incentivou a pequena cientista a prosseguir com seu trabalho: “Fiz um monte de borboletas. São pequenos experimentos assim que marcam a vida de uma criança e que podem ter um impacto enorme na vida delas”.

Hoje, aquela menina que se encantava em criar borboletas é professora de Física e Astronomia na Universidade Católica de Washington e astrônoma e astrofísica da Nasa, a agência espacial americana. No coração e na vida profissional, o mesmo amor de criança: a ciência. Atualmente, Duilia é um dos nomes brasileiros mais respeitados em outros países. Além da atuação na Nasa e em universidades, Duilia criou a ONG Mulheres das Estrelas, com vários objetivos, entre eles o de incentivar o gosto pela ciência desde a infância. (Clique aqui para acessar o site da ONG).

Autora do livro Vivendo com as Estrelas, publicado pela Editora Panda Books, e de mais de 100 artigos científicos, entre as principais descobertas de Duília estão a Supernova 1997D e as Bolhas Azuis. A professora e cientista também foi escolhida como uma das 10 mulheres que mudam o Brasil pelo Barnard College/Columbia University em 2013 e recebeu o Prêmio Profissional do ano de 2013 da Diáspora Brasil-Ministério de Relações Exteriores e Ministério da Indústria e Comércio/ABDI.

Em entrevista exclusiva para a Divisão de Relações Internacionais do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), Duilia conta sobre ciência e, especialmente, sobre a participação da mulher brasileira na ciência. Confira!

Por que as mulheres ainda carregam o estigma de que a ciência não é para elas?

O cientista é bastante competitivo e o meio científico não é dos mais amigáveis. Isso faz com que as mulheres olhem para a ciência com certa insegurança. Acho também que é um fator histórico porque a falta de mulheres na carreira indica que elas não fazem sucesso nessas áreas, ou seja, que “ciência não é coisa de menina”. As mulheres gostam de se espelhar em mulheres exemplares e espero que seja apenas uma questão de tempo até isto melhorar, pois já temos muitos casos de mulheres de sucesso na ciência.

A mulher brasileira é atuante no cenário científico internacional?

Sim. Conheço muitas mulheres brasileiras que são reconhecidas internacionalmente. A Diáspora brasileira tem muitas mulheres cientistas.

O que poderia ser feito pelo governo, sociedade civil e empresas para incentivar a presença de mulheres na ciência?

Precisamos começar com as crianças, meninos e meninas de menos de 12 anos. É necessário deixar a criança despertar a curiosidade e desenvolver o gosto pela ciência. A partir do momento em que a criança tiver o talento para a ciência, precisamos cultivar isso. Deve-se prestar bastante atenção para que a menina não desanime e mostrar para ela que pode seguir qualquer carreira que esteja interessada. Nessa hora, o papel do(a) professor(a) é fundamental. Precisamos mostrar cientistas de sucesso e sugerir modelos para elas.

Duilia2Quando surgiu o interesse pela ciência em sua vida? Poderia compartilhar algumas experiências que lhe incentivaram a gostar da ciência?

Eu sempre gostei de ciência. Quando tinha 11 anos, comecei a criar borboleta em casa. Tinha aprendido na escola com o meu professor de ciências que lagarta virava casulo e que casulo virava borboleta. Então cheguei em casa, peguei uma lagarta de um coqueiro que tínhamos no quintal, coloquei no vidro de maionese, botei umas folhinhas de coqueiro, fechei o vidro, fiz uns furinhos para entrar ar e fiquei esperando uns dias até a lagarta virar casulo. Fiquei super feliz no dia que o casulo surgiu. Mas fiquei muito triste e até chorei quando a borboleta nasceu com as asas enrugadas e não podia voar.

Levei a borboleta para o meu professor de ciências e pedi explicação quase chorando. Ele disse que não tinha certeza, me perguntou como que eu fiz a borboleta e eu expliquei. Ele falou que poderia ser falta de água. Achei interessante a ideia, pois as asas pareciam muito secas. Voltei para casa e desta vez coloquei um pouquinho de água e deu certo! Fiz um monte de borboletas. São pequenos experimentos assim que marcam a vida de uma criança e que podem ter um impacto enorme na vida delas. Este experimento mostra que eu tinha a curiosidade necessária para ser uma cientista, e não foi uma tarefa passada pelo professor. Eu resolvi fazer o experimento porque aprendi isso na escola e queria ver se dava certo mesmo. Vida de cientista é isso: testar ideias e teorias para ver se dão certo mesmo.

Como e por que surgiu a ideia da ONG Mulher das Estrelas? Quais as expectativas para esse trabalho?

Eu já faço um trabalho de divulgação de ciências no Brasil há 20 anos. Sempre ministro palestras e respondo perguntas de crianças, jovens e curiosos na internet. Escrevi um livro, o Vivendo com as Estrelas, sobre a minha carreira, e já fui blogueira de revista e jornal. Atualmente tenho uma fanpage na internet com seis mil seguidores [Clique aqui para conhecer a página]. Então faz tempo que vejo que há bastante interesse pelo assunto, mas também que falta incentivo para os jovens seguirem carreiras pouco conhecidas como a astronomia.

Existe muita preocupação da família quando os jovens dizem que querem seguir carreiras que não sejam as tradicionais, como medicina, engenharia e direito. O projeto Mulher das Estrelas vai tentar mudar isto. Nós queremos mostrar para todos que basta seguir o talento para que o sucesso venha. Há atualmente uma preocupação muito grande com o lado financeiro e pouca gente se lembra que a felicidade traz o dinheiro e não o contrário. Lembro-me do meu professor de história do cursinho que falou que era melhor eu ser uma astrônoma feliz do que uma engenheira frustrada. Nunca vou me esquecer disso.

Como é o seu trabalho na Nasa? Almejava chegar até onde chegou? E os planos futuros?

Eu trabalho com projetos na NASA. Atualmente, trabalho com imagens do Hubble que tiramos mostrando galáxias em processo de formação. Também oriento uma estudante americana de doutorado, Amy Soto, que está fazendo tese comigo nesse assunto. Estamos analisando galáxias que se parecem com a Via Láctea quando ela estava em formação há 10 bilhões de anos. Mas, além de pesquisa na NASA, também sou professora universitária. Já leciono na Universidade Católica da América há oito anos (PUC de Washington DC) e gosto muito do meu trabalho. Acho importante passar o conhecimento adiante e faço isso nas minhas aulas.

Tenho mais de 100 alunos no meu curso de astronomia e é sempre muito gratificante ver o fascínio do estudante ao descobrir um pouco mais sobre o universo. Pretendo continuar lecionando e fazendo pesquisa, mas três meses por ano eu gostaria de me dedicar à divulgação da ciência no Brasil. Pretendo também continuar a receber estudantes do Ciência sem Fronteiras. Sou grande fã do programa e espero que ele continue.

Poderia contar um pouco sobre o trabalho com estudantes brasileiros?

Tenho feito pesquisa com estudantes do Ciência sem Fronteiras e eles são excelentes. Acabo de supervisionar o trabalho de final de curso de um estudante de Ciência da Computação da UFAL de Arapiraca, Walysson Barbosa. Ele esteve em Washington durante um ano, onde começou o trabalho de pesquisa comigo junto com outras duas estudantes, incluindo uma estudante de astronomia da UFRJ, Ana Carolina Nascimento. Depois, ele voltou para o Brasil, terminou o projeto lá e a Ana Carolina está fazendo iniciação científica no Observatório Nacional com o meu colaborador Eduardo Telles. São histórias de sucesso como a do Walysson e da Ana Carolina que são inspiradoras. Acho muito importante continuarmos investindo nos jovens brasileiros, pois eles são os que transformarão o Brasil.

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