Entrevista com responsáveis pelo projeto TOLOMEO no Brasil

set 17 • Notícias • 884 Views • Comentários desativados em Entrevista com responsáveis pelo projeto TOLOMEO no Brasil

O Bureau Brasileiro para Ampliação da Cooperação Internacional com a União Europeia entrevistou os responsáveis pelo projeto Tools for Open Multi-Risk Assessment using Earth Observation Data (TOLOMEO). O projeto tem como objetivo, primeiramente, desenvolver e aperfeiçoar softwares de código livre para a criação de ferramentas de interpretação de dados de observação da Terra no contexto de análise multifatorial de risco ambiental, assim como, em segunda instância, promover o uso colaborativo dessas ferramentas para a comunidade de usuários finais.

Outro objetivo do projeto é a definição de uma rede entre os principais atores da questão de risco ambiental nos países-membros do projeto, objetivando o desenvolvimento e a distribuição de ferramentas de código aberto e/ou livres para a interpretação de imagens de sensoriamento remoto. Isso permitirá aos referidos atores trabalharem de forma coordenada e canalizarem seus esforços para uma meta comum, compreendendo duas abordagens: desenvolvimento de ferramentas padronizadas de software livre com o potencial de efetivamente e eficazmente extrair informações de dados de sensoriamento remoto; e explorar as ferramentas desenvolvidas em problemas sociais de relevância relacionados a riscos ambientais.

Durante a entrevista, Cláudia Almeida e Raul Queiroz Feitosa, responsáveis pela parceria no Brasil pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e pelo Laboratório de Visão Computacional da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (LVC/PUC-Rio), respectivamente, contaram sobre as experiências e aprendizados com o projeto, e falaram sobre cooperação internacional e os desafios para o crescimento da ciência e tecnologia no mundo.

Dona de um extenso currículo profissional, Cláudia Almeida possui Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – USP (1989), Mestrado em Infrastructure Planning pelo Centre for Infrastructure Planning, Universität Stuttgart (1995), Doutorado em Sensoriamento Remoto – Nível Sanduíche – pelo Centre for Advanced Spatial Analysis – University College London (2002) e Doutorado em Sensoriamento Remoto – Pleno pelo INPE (2003).

Raul Queiroz Feitosa, representante da PUC-Rio no consórcio, também possui vasta atuação. É graduado em Engenharia Eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (1979), mestre em Engenharia Eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (1983) e doutor em Ciência da Computação pela Universidade Friedrich Alexander Universität Erlangen-Nürnberg (1988). Confira a entrevista!

Projeto BB.Bice: Contem-nos um pouco sobre o projeto. Como e por que foi criado?

Cláudia Almeida: Em 2007, os organizadores do Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto (SBSR) pediram que eu localizasse um especialista na área de sensoriamento remoto urbano. À época, eu poderia selecionar dois grandes nomes, em duas grandes áreas. Procurei encontrar um palestrante para a área de ótico e outro para a área de radar. O palestrante da área escolhido para a área radar foi o Paulo Gamba. Ele é editor de periódicos de renome e atua em vários eventos internacionais. Ele foi convidado para vir à SBSR e a partir daí se iniciou a parceria. Desde então, iniciou-se um processo de submissão de projetos internacionais. Foi então que fizemos o projeto para o FP7. Paulo Gamba, então, foi a pessoa que localizou a equipe na Europa e chamou as instituições brasileiras. Desde então, nós começamos a trabalhar em conjunto e a nos comunicar. Raul também já tinha contato com a Universidade de Hanôver. Os demais parceiros foram chamados e assim formamos o consórcio entre as universidades na Europa e as duas instituições no Brasil.

BB.Bice: Quais são os objetivos do projeto?

Cláudia Almeida: Existe uma tendência internacional aos chamados softwares de código aberto. O curioso é que todas as instituições envolvidas, tanto no Brasil quanto na Europa, já tinham desenvolvimentos em código aberto. Queríamos articular o metiê de cada um, que seria o lugar comum de todos – o sensoriamento remoto. Uma aplicação que estava premente era a questão dos desastres naturais e antrópicos. Foram reunidas essas três grandes áreas estratégicas, que seriam a observação da terra por meio de sensores remotos, a criação de softwares de código aberto e a questão de desastres naturais e entrópicos. O objetivo do projeto basicamente é criar ferramentas de software livre, de código aberto, para a interpretação imagens de sensores remotos visando a detecção, monitoramento, prevenção e mitigação de desastres.

BB.Bice: Como é a relação com os parceiros da Uniao Europeia? Eles estão conhecendo realmente o potencial brasileiro?

Raul Queiroz Feitosa: Creio que isso seja uma questão de percepção visual. Eu entendo que os pesquisadores brasileiros estão se tornando cada vez mais conhecidos, a interação tem sido mais frequente e produtiva. A contribuição das partes brasileiras no projeto é bastante relevante. A colaboração que os brasileiros estão trazendo para o projeto é bastante significativa. Temos um histórico no desenvolvimento de software de código aberto, que está no mesmo nível dos parceiros que compõem a equipe do projeto.

Cláudia Almeida: O projeto constitui-se uma exceção porque a gente não quis submeter um projeto e saiu à procura de parcerias. Já tínhamos uma longa parceria, as instituições brasileiras e as instituições europeias. Ao conviver com eles, a gente já conhecia o respeito que eles tinham pelas instituições brasileiras. Com a parceria, eles começaram a conhecer a produção brasileira científica brasileira e a atuação em sensoriamento remoto e em softwares. Essa convivência só veio a reforçar os laços de respeito mútuo e de interação. Começamos a verificar o quanto e quão para igual nós estamos em relação aos parceiros europeus. A gente vai conhecendo o trabalho deles, ganhando mais segurança e nos dando conta de que o nosso trabalho é par a par.

BB.Bice: Quais os impactos positivos que o projeto gerará para a sociedade?

Cláudia Almeida: Acho que são várias categorias de impacto. A sociedade está em uma ponta dessa cadeia, mas não menos importante por isso. Os impactos mais imediatos ficam no meio no qual se desenvolvem, que é a comunidade científica. A gente entende que essa questão de ter intercâmbio de softwares de código livre, só vem a ajudar e permitir que cada instituição aprimore as ferramentas que cada uma dispõe ou já trabalha. Existem os impactos indiretos para a comunidade científica – não é só em ganhos de melhorias de desempenho ou de versatilidade nas plataformas computacionais, mas também a questão da produção científica. A partir do momento em que você começa a desenvolver as ferramentas naturalmente surgem os trabalhos científicos e o fato de você ter grandes nomes envolvidos na produção dos trabalhos só vem a conceder crédito na hora da divulgação.

Para nós, fica até mais fácil publicar em revistas internacionais, a partir do momento em que trabalhamos em parceria e com parceiros de renome. Em termos de ganho para a sociedade, acredito que hoje o tema de desastres naturais é uma questão cada vez mais recorrente, como os deslizamentos ocorridos na Região Serrana [ocorridos em janeiro de 2011, no Rio de Janeiro]. A questão dos desastres começou a ficar cada vez mais em evidência. Para a Europa também, a gente nota que a cada uma das instituições tem certa área de aplicação, que é mais relacionada com os eventos que ocorrem nos países. Na Itália, por exemplo, tem a questão dos terremotos. A França tem a questão das enchentes. A sociedade vai ganhar de duas formas: uma é o fato de que nós estaremos provendo os grandes centros com ferramentas mais eficientes e gratuitas para o monitoramento de desastres naturais. Indiretamente, acredito que existe um ganho ao conhecimento que é adquirido, que não fica restrito somente à área de desastres naturais, mas outras áreas do conhecimento, que possuem interface com a sociedade brasileira. Eu acredito que em médio e longo prazo também será possível colher os frutos dos desenvolvimentos realizados no âmbito desse projeto.

Raul Queiroz Feitosa: Um dos pontos que também ressalto é intrínseco do software livre que estamos desenvolvendo, com alguns poucos concorrentes “comerciais”. Essas alternativas comerciais trazem por si limitações de duas naturezas. Um a delas é que eles são, em certo sentido, uma caixa preta. Quando há um software livre, de código aberto, todo o conhecimento que está naquele código, está plenamente acessível a quem quiser. Você tem a possibilidade de acrescentar funcionalidades a essa plataforma. Isso em termos científicos é muito importante. É muito ruim ficar dependente do que fazem uma ou duas empresas no mundo. Isso é muito limitante. Outro aspecto importante é o preço.

Os custos da licença podem talvez inviabilizar o seu uso. Isso é inerente a todo software e me parece muito importante. Por ser aberto, ele dá mais possibilidades para o desenvolvimento. Outra questão é que, embora seja um software livre, ele também oferece alternativas e possibilidades em termos de inovação. É possível, por exemplo, desenvolver customizações, para aplicações particulares, extensões tanto na forma de desenvolver problemas para os problemas específicos ou extensões no sentido de agregar novas funcionalidades. Isso pode abrir oportunidades para a inovação. Por último, há a interação e a troca entre pessoas – estudantes que podem ir para fora do país, o que é uma experiência muito enriquecedora. O número de pessoas que têm ido para a Europa e vindo para o Brasil no projeto é muito importante. O fluxo é equilibrado.

Claudia Almeida: Há uma tendência à inversão do fluxo de cientistas. Há muitos doutores europeus que estão vindo para o Brasil trabalhar e estudar. A princípio, no projeto, sempre deve haver um intercâmbio entre uma instituição brasileira e uma europeia. Nesse âmbito, precisa-se que a pessoa esteja disposta a conhecer outro país e realidade cultural, que tenha uma agenda compatível e a competência técnica. A gente sempre tem em mente a preocupação em enviar a pessoa certa. Isso é válido pelas instituições brasileiras e europeias. As pessoas que participam do intercâmbio têm competência técnica.

BB.Bice: Qual a importância de uma ação como o Programa-Quadro para o desenvolvimento da ciência e tecnologia no mundo?

Raul Queiroz Feitosa: É fundamental. A cooperação é uma das questões mais importantes do progresso científico. O Programa-Quadro tem esse conceito. Não é o único programa. Você precisa saber o que está acontecendo e combinar esforços. Com nossos parceiros, somos muito mais do que individualmente.

Cláudia Almeida: Existe uma tendência cada vez maior no universo científico em nível mundial que é trabalhar em parceria. É como se essas redes fossem multiplicadoras de conhecimento. A partir do momento em que você tem uma rede de parceiros atuando com bastante interlocução, o crescimento é exponencial. A significância e a velocidade dos ganhos são maiores quando se atua em parcerias. O Programa-Quadro adere a esse compromisso. O conhecimento tecnológico e científico talvez seja o mais sensível a essa questão das parcerias para o avanço do conhecimento.

BB.Bice: Há uma compreensão no Brasil da importância de um parceiro como a União Europeia? Quais os benefícios que esse trabalho em parceria traz para os projetos aprovados e para os países envolvidos?

Raul Queiroz Feitosa: Todos saem beneficiados com essa interação. Aprendem mais rapidamente. Nós temos a possibilidade de desenvolvimento de novos especialistas. Estudantes participam desse intercâmbio. Também aprendemos muito com essa interação. E também é um aspecto novo, estamos sempre tentando motivar pessoas. Atrair pessoas para aquelas áreas que nós trabalhamos. As pessoas são o maior patrimônio no meio disso tudo. A possibilidade de fazer um doutorado sanduíche, por exemplo, em uma ou mais instituições de renome internacional, é algo que atrai as pessoas para o grupo. A questão da visibilidade é importante. O que a instituição ganha em termos de visibilidade é algo muito valorizado.

Cláudia Almeida: Conseguimos manter as pessoas motivadas e valorizadas com a possibilidade de intercâmbio. As pessoas se sentem valorizadas e visualizam a possibilidade de troca de conhecimentos. Em nível institucional, por participarmos do FP7, no Marie Curie, acabamos atendendo a pontos da agenda institucional, mas até mesmo à agenda de órgãos de fomento à pesquisa em âmbito Federal. Quando a gente fala “olha, estamos em um projeto internacional de captação de recursos humanos, em um projeto de âmbito internacional”, somos mais valorizados. Também é algo muito benéfico para qualquer currículo acadêmico. A questão dos benefícios, ela extrapola muito do que se pode prever a principio. Conforme o processo passa a ser implementado, é que a gente se dá conta dos muitos benefícios a que nós somos expostos.

Para conhecer os parceiros do projeto, clique aqui. Ou clique aqui para acessar a página do projeto na Internet.

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